EM CADA MULHER MAL-AMADA, HÁ UMA MULHER QUE NÃO SE AMA.

Impregnada de pureza, beleza e sacralidade, a flor de lótus, desenvolve-se em águas lodosas, o que não deixa de conter em si, um certo mistério, que metaforicamente podíamos equiparar ao desamor, aos custos daí resultantes, mas também para a beleza que advém da cura, da consciência e da transformação inerentes à coragem de aceitarmos mergulhar em pântanos profundos, mesmo quando desconhecemos que poderemos “vir-a-ser-como-flores-de-lótus”.

Tudo na vida tem um preço, um custo. Tudo é sistémico e nada é fora de nada, não existindo erros nas nossas ações, apenas resultados.

Vivi na minha própria pele e pude sentir na pele de outras mulheres estes mesmos resultados. Alguns, um pouco tímidos, escondidos, envergonhados, outros porem tatuados até à epiderme de forma bem visível, repletos de efeitos colaterais e incapazes de voltar a fertilizar qualquer tipo de relação.

Na verdade, são muitos e variados os custos de se ser mal-amada.

Acredito, que se tivéssemos mais consciência disto, estaríamos mais receptivas a olhar para dentro de nós, a fazer terapia sem desculpas, nem vergonhas, o que contribuiria certamente para uma drástica redução de ansiolíticos, antidepressivos e indutores de sono.

Isto, porque entre muitas outras coisas, permitimo-nos ser mal-amadas porque não nos sabemos amar, ponto final.

De outra forma, o que nos levaria a manter uma relação, com alguém que nos considera descartáveis? Ou com alguém cujos sentimentos oscilam vertiginosamente entre o “amor” e o ódio?

Porque entregamos o nosso coração a quem o despreza e nos mostra que não o sabe honrar? O que nos leva a deixarmo-nos abusar vezes sem conta, negando os abusos em prol de um amor que nos fere, mas que queremos a todo o custo manter?

Se uma relação saudável, nos deixa mais saudáveis, porque escolhemos tantas vezes adoecer em relações sombrias, sujas e desprovidas de dignidade?

Atrevo-me a acreditar que, muitas de nós já fizeram estas perguntas a si mesmas. Ao longo do meu caminho, têm-me acompanhado, e tem sido através delas que tenho visitado alguns dos meus recantos.

Quanto às respostas, poderão existir tantas, como pessoas a coloca-las, principalmente quando se sentem enredadas vezes sem conta na teia do desamor. Uma coisa é certa, (e dela não tenho qualquer sombra de dúvida), em cada mulher mal-amada, existe uma mulher que não se ama a si mesma.

Em cada mulher mal-amada, existe uma mulher empenhada em esgotar-se em infinitas possibilidades, de que a relação com quem ama, seja bem-sucedida, aconteça o que acontecer.

Quando digo aconteça o que acontecer, refiro-me literalmente a, aconteça o que acontecer, mesmo.

Tenho conhecido mulheres lindas, repletas de brilho, com carreiras de sucesso, vidas estruturadas, que mais parecem artistas de circo, no que diz respeito às suas vidas (des)amorosas.

Algumas, equilibristas em cordas já secas, que rangem a cada passo dado. Cordas de onde já caíram inúmeras vezes, mas que insistem em continuar a atravessar. Outras, contorcionistas, contorcendo a sua alma, na esperança de que aquele que amam, lhes dê nem que seja uma pequena migalha de atenção.

Outras ainda, trapezistas, no trapézio da ilusão. Voando com empenho em direcção ao ser amado, que já mostrou inúmeras vezes, que não pretende com elas voar, mas que ainda assim, balbucia do outro lado do trapézio, que as ama muito, contrariando as palavras proferidas, com a sua própria ação, pois consegue fazer tudo, rigorosamente tudo, para que os baloiços de ambos, se desencontrem sempre.

Também eu, faço parte deste clã.

Com a vida, fui aprendendo a curar a “artista-de-circo”, que em mim ainda habita.

Tal como muitas de nós, quando me balancei nestes trapézios, acabei muitas vezes por cair na rede que Deus (na forma como eu O concebo), me colocava por baixo, outras, porém, talvez porque precisasse mesmo de cair, me estatelei no chão, esborrachei o nariz, perdendo o faro e bastante dorida, insistia. Voltava a subir a escada daquele trapézio, iniciando assim o próximo voo, que acreditava sempre ser diferente.

Como poderia ser “diferente” se eu estava “igual” e me mantinha ali?

Fazia do desamor o meu sofrimento diário, mas não percebia que assim era.

Como para muitas de nós, os custos da minha “credulidade-e-ignorância-amorosa” e da minha falta de amor próprio foram substanciais.

Gastei lágrimas em domicílios inóspitos, que nem o meu olhar mereciam.

Troquei prioridades, infernizei a minha paz com dramas desmesurados, consumi toxicidade, deixei-me sugar, suguei, rompi, gritei, fugi, insisti, chorei, voltei, rebolei, não dormi… tudo sem perceber que era a mim mesma que estava a fazer mal.

Percebi os custos de tudo isto, quando o cartão de crédito sediado no meu coração, que eu pensava ter não ter limites de gastos, me levou até às urgências, após uma situação em que não consegui mais aguentar a pressão de uma (des)conversa a dois, onde finalmente precisei admitir que o meu limite tinha sido largamente ultrapassado. Na verdade, foi o meu corpo que me revelou essa linha vermelha, levando-me de ambulância para o hospital, onde após vários exames, me foi dito:

– Nestas análises, há aqui um resultado meio estranho, que acusa qualquer coisa…a melhor maneira de lhe explicar é…imagine que é, como se o seu coração estivesse em esforço, mais esforço do que aguenta, entende?

Não sabe aquela médica o quanto a entendi.

Os custos de não me amar, de não me respeitar, estavam à vista.

Estes custos vieram também sob a forma de gastrite, refluxo, dificuldade em fazer as digestões, insónias, análises de sangue alteradíssimas, anemia, diagnóstico de fibromialgia, enfim, aquilo que o meu corpo reclamava ter sido excessivo e que precisei de aprender a viver de forma mais integrativa, percebendo na prática, aquela frase que diz, o corpo fala, aquilo que muitas vezes a boca cala.

Precisei assumir que os custos de ser mal-amada, não eram exclusivamente responsabilidade do outro, pois tinha sido eu, com a carência que me habita, misturada com os meus padrões, que tinha permitido e normalizado o abuso, como se tolerá-lo fosse sinónimo de ser amada.

Como a vida requer escolhas, nessa altura estava numa relação com um homem encobertamente narcisista, passivo-agressivo, em que os abusos eram tão subtis e perversos que eu própria ficava confusa em perceber se certas coisas que se passavam eram mesmo assim, e apesar da minha intuição me sussurrar vezes sem conta que ele mentia, triangulava, castigava, e me usava de várias formas, incluindo a financeira, eu conseguia sempre desculpar e justificar tudo em prol de ficar com ele, acreditando mais nas suas palavras de “amor”, do que nos seus atos de horror.

Nesta altura em que o meu corpo não aguentou mais, tive de mesmo escolher entre:

– Continuar a culpá-lo pela minha triste, amarga e solitária realidade, protelando os meus padrões co dependentes, o meu medo de abandono, continuando a permitir-me ser usada, assumindo responsabilidades que a ele pertenciam, e recebendo umas migalhinhas que “gentilmente” oferecia quando queria alguma coisa de mim.

– Ou terminar a relação, virando o modelo de pernas para o ar, romper estes padrões nocivos e esqueléticos, cujos custos eu não tinha mais créditos para aguentar.

E, apesar da dor profunda que senti, foi isso que fiz.

Confesso que hoje ainda vivem em mim algumas tentações de não me amar. Sendo honesta, acredito que viverão sempre. A diferença é que conheço bem os benefícios do amor e os custos do desamor.

Por isso, um dia de cada vez, vou optando por aquilo que me faz melhor, que me acrescenta, que me deixa ser quem sou, sem vergonha ou medo, de não ser aquilo que o outro precisa que eu seja.

A cura é um processo, não uma poção mágica.

Requer paciência, verdade, alquimia e muito, mas muito carinho e compaixão por nós mesmas!

EXCERTO DO TEXTO PUBLICADO NO LIVRO “PORQUE AMAMOS PESSOAS QUE NOS MAGOAM?”

 

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